Debate «Escrever depois de Auschwitz: a literatura e a barbárie (ontem e hoje)»
No dia 28 de janeiro de 2020, 75 anos e 1 dia após a libertação de Auschwitz, numa iniciativa promovida pelo Projeto N.O.M.E.S. e a Biblioteca/C.R.E. da Escola Secundária da Maia, para evocar o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, cerca de oitenta alunos e uma dezena de professores tiveram o privilégio de assistir a uma conversa intensa e quase comovente entre o escritor José Rui Teixeira e o professor Jorge Pinho, sobre a literatura e a barbárie (ontem e hoje) que foi muito mais do que isso. Foi um momento de partilha, de reflexão, de humanismo, de memória sobre a história e a memória da humanidade, sobre a história e as memórias de cada um de nós.
«Como devemos encarar o Holocausto? Qual a forma correta de nos expressarmos acerca dele e de o relembrar? Que culpa devemos sentir em relação ao acontecimento? Seremos assim tão diferentes dos Homens responsáveis por esta barbárie? Foram estes alguns dos temas abordados durante a excelente conversa com o escritor José Rui Teixeira a que alguns alunos e professores da Escola Secundária da Maia tiveram a oportunidade de assistir» refere a aluna Inês D’Alte, do 9.º B, que continua: «o tema foi abrangido de uma forma quase abstrata, em que nenhuma das perguntas foi respondida com uma definição exata, fazendo com que seguíssemos a linha de pensamento do autor quase como se nos encontrássemos num comboio sem destino, o que tornou o momento ainda mais profundo e emocionante.»
Falou-se da impossibilidade provocatória de Adorno sobre a poesia depois de Auschwitz. Falou-se do Holocausto e de outros genocídios e de como o ser humano constrói as utopias sobre pilhas de cadáveres. Falou-se que o mal não é protagonizado por monstros ou psicopatas, que todos temos o mal dentro de nós, que o que nos distingue do nosso colega que andou na escola primária na sala ao lado da nossa e que agora está preso entre homicidas pode ser apenas um acaso, uma circunstância que nos proporcionou a escolha do bem e não do mal ou como escreveu o professor Jorge Pinho, «incentivou[-se] os alunos a uma reflexão profunda sobre o mal e sobre a possibilidade de ninguém estar completamente livre dele, isto é, de as circunstâncias da vida poderem inscrever em nós aquilo que nem sequer sonhamos».
Falou-se de transcendência e de «como pensar em Deus depois de Auschwitz?», como lembrou a aluna Isaura Costa do 11.º J. Falou-se da importância da memória e do esquecimento e de um equilíbrio que tem de existir entre estas duas esferas. Falou-se de muros que se constroem no interior dos sobreviventes para que o seu sofrimento não contagie os que se amam – as memórias de Suzana, a mãe de Mirko Stefanovic, uma das escolhidas de Mengele para experiências médicas, não ultrapassariam uma página se o filho quisesse colocar no papel tudo o que ela lhe contou sobre o campo. «Sem detalhes, sem comentários amargos e sem sinais de raiva.» Mas falou-se também de Primo Levi e da importância de escrever na primeira pessoa porque os sobreviventes estão a desaparecer. Falou-se do seu suicídio e que ele teria morrido quarenta anos antes.
Falou-se do espanto, porque não dizer ignomínia?, que é visitar Auschwitz como um ponto turístico ou ler Auschwitz como uma marca comercial destinada ao sucesso editorial. «Não vamos a Auschwitz» disse-nos José Rui Teixeira. «Eu vou a Auschwitz». Sozinho. Ao fim de muito tempo. Sentindo o peso da morte em cada peça do vestuário. Olhando – inscrevendo em mim – cada um daqueles rostos que ali sobreviveram um dia, dois dias e que, ali, não passaram de um número, 26300. Mas afinal é um homem, judeu polaco, de nome Maier Karas, nascido em Szczuki, em 1884. Afinal é um poema que não se pode escrever. Falou-se, assim, da importância da arte e da literatura para evitar as barbáries ou para «nos comover de modo a que não percamos a capacidade de lhes resistir» como escreveu a aluna Isaura Santos, sabendo-se que foram também a arte e a literatura que foram usadas para as fundamentar e propagar.
Voltando às palavras da Inês, «penso que a melhor maneira de mantermos este tema na memória não é repetindo a história vezes sem conta, mas sim associando-lhe emoções e pensamentos que permitam uma constante reflexão. E se esta conversa surtiu em todos os presentes o mesmo efeito que surtiu em mim, esse trabalho foi maravilhosamente cumprido. Gostaria finalmente de deixar uma mensagem a todos os que estiveram presentes e aos que não estiveram: que não vos fique na memória uma constante lembrança da tragédia, mas sim uma constante inquietação que vos negue a indiferença perante qualquer demonstração de ódio. Podemos não ser capazes de mudar o passado, mas está nas mãos de cada um de nós evitar que os mesmos males se repitam no futuro».
Em nome do Projeto N.O.M.E.S., obrigada ao José Rui Teixeira pelo seu extraordinário e humano testemunho, obrigada ao Jorge Pinho por ter transformado este momento numa conversa tão enriquecedora, obrigada à Neusa Fernandes e à Fernanda Teles pelo acolhimento e colaboração, obrigada à Lídia Castro pelo desenho precioso que a sua aluna de Artes Visuais ofereceu ao nosso convidado, obrigada a todos os alunos e professores que estiveram presentes, obrigada aos alunos do projeto que nos mostraram que a poesia também podia estar ali, depois de Auschwitz.
[Sandra Costa e testemunhos de Inês D’Alte (9.º B), Isaura Costa (11.º J) e Jorge Pinho]
«Como devemos encarar o Holocausto? Qual a forma correta de nos expressarmos acerca dele e de o relembrar? Que culpa devemos sentir em relação ao acontecimento? Seremos assim tão diferentes dos Homens responsáveis por esta barbárie? Foram estes alguns dos temas abordados durante a excelente conversa com o escritor José Rui Teixeira a que alguns alunos e professores da Escola Secundária da Maia tiveram a oportunidade de assistir» refere a aluna Inês D’Alte, do 9.º B, que continua: «o tema foi abrangido de uma forma quase abstrata, em que nenhuma das perguntas foi respondida com uma definição exata, fazendo com que seguíssemos a linha de pensamento do autor quase como se nos encontrássemos num comboio sem destino, o que tornou o momento ainda mais profundo e emocionante.»
Falou-se da impossibilidade provocatória de Adorno sobre a poesia depois de Auschwitz. Falou-se do Holocausto e de outros genocídios e de como o ser humano constrói as utopias sobre pilhas de cadáveres. Falou-se que o mal não é protagonizado por monstros ou psicopatas, que todos temos o mal dentro de nós, que o que nos distingue do nosso colega que andou na escola primária na sala ao lado da nossa e que agora está preso entre homicidas pode ser apenas um acaso, uma circunstância que nos proporcionou a escolha do bem e não do mal ou como escreveu o professor Jorge Pinho, «incentivou[-se] os alunos a uma reflexão profunda sobre o mal e sobre a possibilidade de ninguém estar completamente livre dele, isto é, de as circunstâncias da vida poderem inscrever em nós aquilo que nem sequer sonhamos».
Falou-se de transcendência e de «como pensar em Deus depois de Auschwitz?», como lembrou a aluna Isaura Costa do 11.º J. Falou-se da importância da memória e do esquecimento e de um equilíbrio que tem de existir entre estas duas esferas. Falou-se de muros que se constroem no interior dos sobreviventes para que o seu sofrimento não contagie os que se amam – as memórias de Suzana, a mãe de Mirko Stefanovic, uma das escolhidas de Mengele para experiências médicas, não ultrapassariam uma página se o filho quisesse colocar no papel tudo o que ela lhe contou sobre o campo. «Sem detalhes, sem comentários amargos e sem sinais de raiva.» Mas falou-se também de Primo Levi e da importância de escrever na primeira pessoa porque os sobreviventes estão a desaparecer. Falou-se do seu suicídio e que ele teria morrido quarenta anos antes.
Falou-se do espanto, porque não dizer ignomínia?, que é visitar Auschwitz como um ponto turístico ou ler Auschwitz como uma marca comercial destinada ao sucesso editorial. «Não vamos a Auschwitz» disse-nos José Rui Teixeira. «Eu vou a Auschwitz». Sozinho. Ao fim de muito tempo. Sentindo o peso da morte em cada peça do vestuário. Olhando – inscrevendo em mim – cada um daqueles rostos que ali sobreviveram um dia, dois dias e que, ali, não passaram de um número, 26300. Mas afinal é um homem, judeu polaco, de nome Maier Karas, nascido em Szczuki, em 1884. Afinal é um poema que não se pode escrever. Falou-se, assim, da importância da arte e da literatura para evitar as barbáries ou para «nos comover de modo a que não percamos a capacidade de lhes resistir» como escreveu a aluna Isaura Santos, sabendo-se que foram também a arte e a literatura que foram usadas para as fundamentar e propagar.
Voltando às palavras da Inês, «penso que a melhor maneira de mantermos este tema na memória não é repetindo a história vezes sem conta, mas sim associando-lhe emoções e pensamentos que permitam uma constante reflexão. E se esta conversa surtiu em todos os presentes o mesmo efeito que surtiu em mim, esse trabalho foi maravilhosamente cumprido. Gostaria finalmente de deixar uma mensagem a todos os que estiveram presentes e aos que não estiveram: que não vos fique na memória uma constante lembrança da tragédia, mas sim uma constante inquietação que vos negue a indiferença perante qualquer demonstração de ódio. Podemos não ser capazes de mudar o passado, mas está nas mãos de cada um de nós evitar que os mesmos males se repitam no futuro».
Em nome do Projeto N.O.M.E.S., obrigada ao José Rui Teixeira pelo seu extraordinário e humano testemunho, obrigada ao Jorge Pinho por ter transformado este momento numa conversa tão enriquecedora, obrigada à Neusa Fernandes e à Fernanda Teles pelo acolhimento e colaboração, obrigada à Lídia Castro pelo desenho precioso que a sua aluna de Artes Visuais ofereceu ao nosso convidado, obrigada a todos os alunos e professores que estiveram presentes, obrigada aos alunos do projeto que nos mostraram que a poesia também podia estar ali, depois de Auschwitz.
[Sandra Costa e testemunhos de Inês D’Alte (9.º B), Isaura Costa (11.º J) e Jorge Pinho]