Concurso de Escrita Criativa «Sons de Esperança» | Ensino Secundário - ESM
1.º Prémio
Música escolhida: https://youtu.be/K0YikRr5IPs
Segunda-feira, 16:37
Posso escrever. Não me perguntem porque começo hoje, simplesmente apetece-me. Acho que nunca me dei muito bem com as palavras, mas as tréguas têm de chegar algum dia. E hoje parece-me bem. Esta tarde o tempo está invulgarmente soalheiro, o que me faz duvidar cada vez mais da minha capacidade de tomar decisões. “Porque não sais e vais dar uma volta?”. Ora, porque concluí que seria melhor sentar-me à secretária a anotar os meus pensamentos pela primeira vez na vida. Enfim.
Terça-feira, 00:30
Posso escrever à noite, quando ninguém me observa. Então escrevo que não sei muito bem aonde vou estar no final desta semana. Mas, de certa forma, acho que ninguém sabe. As coisas pioram à minha volta de dia para dia, e não falo só do tempo. Apesar de não me ter arrependido da minha decisão de ontem, houve quem achasse impertinente que tivesse opiniões para escrever. Não sei porquê, se tudo o que eles fazem é impingir as deles aos outros. De qualquer maneira até gosto de escrever à noite.
Quarta-feira, 10:24
Posso pintar. Mas é estranho que tenha de voltar a esta forma de arte que me lembra os tempos de criança. Costuma-se dizer que antes de sabermos falar já desenhamos, que é a nossa forma de expressão mais primária. Pois eu, que sei falar e que, aos poucos, aprendia a escrever algo de relevante, vejo-me num retrocesso no tempo, riscando furiosamente a preto as minhas angústias e circulando com o lápis em movimentos intermináveis as minhas confusões. Talvez até seja mais ousada e pinte um baú em que guarde todos os meus insultos a quem não me deixa escrever. Se os deixar na tela, eles nunca os encontrarão e eu tê-los-ei dito na mesma. Afinal talvez ainda seja livre.
Quinta-feira, 21:12
Posso escrever música. E convenhamos que, entre as cinco singelas linhas de uma pauta, em forma de fusas e semicolcheias, posso escrever as cartas de amor que quiser. Até se forem para cidades perdidas. Até se forem sobre nações desencontradas. As letras terão de ficar para outro dia porque neste momento não me sinto capaz de dizer algo que eles gostassem de ouvir. Ainda assim, a harmonia começa-se a compor na minha alma. E está a ficar bonita.
Sexta-feira, 22:22
Posso pensar. E penso que li num livro que, entretanto, alguém fez desaparecer, que uma série de quatro números dois significa paz e harmonia e a esperança de um futuro melhor. Eu cá nunca fui muito de confiar cegamente nestas premonições, mas quando olhei para as horas lembrei-me logo que talvez a minha, a nossa paz também esteja próxima. Mas por enquanto posso pensar. Penso histórias, pinturas, músicas, penso em palavras feias e em palavras caras. Ainda respiro todas essas coisas. E finalmente constatei porque escrevo. Enquanto isso, mando aí para fora a minha liberdade em forma de música. Obrigada por ouvires (,) Yaar.
NOTA: A palavra “Yaar”, para além de ser o título da música de Zeb Bangash e Shamali Afghan, significa “amigo/companheiro” em punjabi.
Inês d’Alte, 11.º I
Segunda-feira, 16:37
Posso escrever. Não me perguntem porque começo hoje, simplesmente apetece-me. Acho que nunca me dei muito bem com as palavras, mas as tréguas têm de chegar algum dia. E hoje parece-me bem. Esta tarde o tempo está invulgarmente soalheiro, o que me faz duvidar cada vez mais da minha capacidade de tomar decisões. “Porque não sais e vais dar uma volta?”. Ora, porque concluí que seria melhor sentar-me à secretária a anotar os meus pensamentos pela primeira vez na vida. Enfim.
Terça-feira, 00:30
Posso escrever à noite, quando ninguém me observa. Então escrevo que não sei muito bem aonde vou estar no final desta semana. Mas, de certa forma, acho que ninguém sabe. As coisas pioram à minha volta de dia para dia, e não falo só do tempo. Apesar de não me ter arrependido da minha decisão de ontem, houve quem achasse impertinente que tivesse opiniões para escrever. Não sei porquê, se tudo o que eles fazem é impingir as deles aos outros. De qualquer maneira até gosto de escrever à noite.
Quarta-feira, 10:24
Posso pintar. Mas é estranho que tenha de voltar a esta forma de arte que me lembra os tempos de criança. Costuma-se dizer que antes de sabermos falar já desenhamos, que é a nossa forma de expressão mais primária. Pois eu, que sei falar e que, aos poucos, aprendia a escrever algo de relevante, vejo-me num retrocesso no tempo, riscando furiosamente a preto as minhas angústias e circulando com o lápis em movimentos intermináveis as minhas confusões. Talvez até seja mais ousada e pinte um baú em que guarde todos os meus insultos a quem não me deixa escrever. Se os deixar na tela, eles nunca os encontrarão e eu tê-los-ei dito na mesma. Afinal talvez ainda seja livre.
Quinta-feira, 21:12
Posso escrever música. E convenhamos que, entre as cinco singelas linhas de uma pauta, em forma de fusas e semicolcheias, posso escrever as cartas de amor que quiser. Até se forem para cidades perdidas. Até se forem sobre nações desencontradas. As letras terão de ficar para outro dia porque neste momento não me sinto capaz de dizer algo que eles gostassem de ouvir. Ainda assim, a harmonia começa-se a compor na minha alma. E está a ficar bonita.
Sexta-feira, 22:22
Posso pensar. E penso que li num livro que, entretanto, alguém fez desaparecer, que uma série de quatro números dois significa paz e harmonia e a esperança de um futuro melhor. Eu cá nunca fui muito de confiar cegamente nestas premonições, mas quando olhei para as horas lembrei-me logo que talvez a minha, a nossa paz também esteja próxima. Mas por enquanto posso pensar. Penso histórias, pinturas, músicas, penso em palavras feias e em palavras caras. Ainda respiro todas essas coisas. E finalmente constatei porque escrevo. Enquanto isso, mando aí para fora a minha liberdade em forma de música. Obrigada por ouvires (,) Yaar.
NOTA: A palavra “Yaar”, para além de ser o título da música de Zeb Bangash e Shamali Afghan, significa “amigo/companheiro” em punjabi.
Inês d’Alte, 11.º I
2.º Prémio
Música escolhida: https://youtu.be/0y5CF2G6qsU
Amarelo é a cor da paz
Abriu os olhos e o primeiro pensamento que o acometeu foi “A vida já não me faz feliz”. O peso dos lençóis era sufocante ao invés de reconfortante e o colchão parecia engoli-lo como um monstro faminto, porém estava preso àquela cama pelas correntes da tristeza que lhe cingiam as extremidades.
O seu torpor foi interrompido por uma melodia vagamente familiar. Algo em si despertou, levando-o a afastar as cobertas da cabeça numa tentativa de ouvir melhor, sem sucesso. A melodia permanecia apenas mais uma vaga pincelada na tela difusa de sensações que o envolviam. Uma respiração profunda levou-o a fazer algo que já não conseguia há dias: sair da cama. Afastou completamente as cobertas e levantou-se. Foi até à janela da cozinha e um borrão de amarelo entrou subitamente na divisão, fazendo com que o seu coração se lançasse num galgar furioso. A tremer ligeiramente, virou-se e deparou-se com um pássaro amarelo que parecia ser a fonte da familiar melodia. Intrigado, aproximou-se lentamente com medo de assustar a ave, no entanto, esta apenas inclinou a cabeça, como num cumprimento. A melodia prosseguiu enquanto o pássaro inspecionava as maçãs que se encontravam no cesto pousado em cima da mesa e o olhar quase inquisitivo que lançou ao rapaz recebeu como resposta um gesto de consentimento confuso. Enquanto o pássaro debicava languidamente a mais vermelha das maçãs, ele pensou no porquê de a melodia lhe parecer tão familiar. Uma satisfação sumptuosa como os tesouros mais antigos encheu-lhe o coração. Já sabia! A mãe costumava trautear esta mesma melodia enquanto tratava da lida diária. Sentiu-se aconchegado, reconfortado pelo abraço da lembrança da mãe e voltou a examinar o pássaro, que entretanto voava pela cozinha.
Enquanto o observava, os olhos de ambos encontraram-se e uma sensação de paz envolveu-o. Como que plantado pelo animal amarelo, um pensamento surgiu na sua mente: “Nada dura para sempre. Mesmo as coisas más acabam por passar, por isso fica para ver as coisas boas”. As lágrimas que lhe assomaram aos olhos foram quase involuntárias e por pouco não o fizeram perder a partida do pássaro amarelo que mudara completamente o seu dia. Em breve, a mancha amarela desapareceu no horizonte, deixando como única prova da sua existência uma das sementes da maçã que comera.
Com o seu olhar ainda preso nesta pequena prova de vida, procurou o telefone e ligou à mãe pela primeira vez em semanas. “Canta-me aquela música de que tanto gostas, mamã” foram as suas únicas palavras. A mesma sensação de paz esmagadora invadiu Hanuš quando a mãe acatou o seu pedido, fazendo com que a sua alma se tornasse mais leve. Seria a última vez que ouviria a voz dela.
Inês Lapa, 12.º D
Amarelo é a cor da paz
Abriu os olhos e o primeiro pensamento que o acometeu foi “A vida já não me faz feliz”. O peso dos lençóis era sufocante ao invés de reconfortante e o colchão parecia engoli-lo como um monstro faminto, porém estava preso àquela cama pelas correntes da tristeza que lhe cingiam as extremidades.
O seu torpor foi interrompido por uma melodia vagamente familiar. Algo em si despertou, levando-o a afastar as cobertas da cabeça numa tentativa de ouvir melhor, sem sucesso. A melodia permanecia apenas mais uma vaga pincelada na tela difusa de sensações que o envolviam. Uma respiração profunda levou-o a fazer algo que já não conseguia há dias: sair da cama. Afastou completamente as cobertas e levantou-se. Foi até à janela da cozinha e um borrão de amarelo entrou subitamente na divisão, fazendo com que o seu coração se lançasse num galgar furioso. A tremer ligeiramente, virou-se e deparou-se com um pássaro amarelo que parecia ser a fonte da familiar melodia. Intrigado, aproximou-se lentamente com medo de assustar a ave, no entanto, esta apenas inclinou a cabeça, como num cumprimento. A melodia prosseguiu enquanto o pássaro inspecionava as maçãs que se encontravam no cesto pousado em cima da mesa e o olhar quase inquisitivo que lançou ao rapaz recebeu como resposta um gesto de consentimento confuso. Enquanto o pássaro debicava languidamente a mais vermelha das maçãs, ele pensou no porquê de a melodia lhe parecer tão familiar. Uma satisfação sumptuosa como os tesouros mais antigos encheu-lhe o coração. Já sabia! A mãe costumava trautear esta mesma melodia enquanto tratava da lida diária. Sentiu-se aconchegado, reconfortado pelo abraço da lembrança da mãe e voltou a examinar o pássaro, que entretanto voava pela cozinha.
Enquanto o observava, os olhos de ambos encontraram-se e uma sensação de paz envolveu-o. Como que plantado pelo animal amarelo, um pensamento surgiu na sua mente: “Nada dura para sempre. Mesmo as coisas más acabam por passar, por isso fica para ver as coisas boas”. As lágrimas que lhe assomaram aos olhos foram quase involuntárias e por pouco não o fizeram perder a partida do pássaro amarelo que mudara completamente o seu dia. Em breve, a mancha amarela desapareceu no horizonte, deixando como única prova da sua existência uma das sementes da maçã que comera.
Com o seu olhar ainda preso nesta pequena prova de vida, procurou o telefone e ligou à mãe pela primeira vez em semanas. “Canta-me aquela música de que tanto gostas, mamã” foram as suas únicas palavras. A mesma sensação de paz esmagadora invadiu Hanuš quando a mãe acatou o seu pedido, fazendo com que a sua alma se tornasse mais leve. Seria a última vez que ouviria a voz dela.
Inês Lapa, 12.º D
3.º Prémio
Música escolhida: https://youtu.be/0y5CF2G6qsU
Está na hora de dormir. Tudo à volta está calmo, apenas se ouve o barulho ensurdecedor do silêncio e a luz da lua é a única que ilumina as ruas e as casas através das janelas. O mundo resume-se inteiramente àquele momento, àquele quarto, àquele leito, àquela canção de embalar. Para aquele menino, nada mais existe senão a esperança de que, no dia seguinte, o sol brilhará de novo e ele acordará com este. Resta em si apenas a esperança numa escuridão passageira. Fecha, então, os olhos e escuta a voz doce da mulher que o trouxe ao mundo, dessa grande deusa que faz com que tudo pareça simples, com que os monstros da noite desapareçam e que, com os seus braços, o envolve e protege. À medida que os olhos, o seu portal para o mundo, se fecham, assombra-o o medo da noite, o receio de ver um mundo diferente ao despertar, o pânico da mudança. Contudo não está sozinho e, por isso, acredita que o sol sempre brilhará.
Ao seu lado, curvando-se junto da cama, encontra-se uma mulher, movida por uma força da natureza que se opõe a todo o ódio do mundo, força essa capaz de apagar todos os males existentes e todo o pavor que assola a espécie humana. Ela mesma se transforma nessa pulsão: o amor. O amor toma forma humana e destrói fronteiras, insurge-se contra o egocentrismo e faz mover o mundo. É essa a energia que rege o Homem, que permite que a esperança prolifere no meio do caos. Quando a capacidade de dar amor, de o sentir e, sobretudo, de o ser se esvai, urge resgatá-la do abismo, caso contrário, o mundo entrará em guerra. Mas, naquele quarto, essa pulsão reina, preenche o espaço, incorpora-se em cada molécula do ar. Essa energia poderosa é o amor de mãe, que chega sob a forma de carícias e melodias cantadas. Uma mãe é uma divindade que faz surgir vida e afasta a morte. Para ela, deitar aquele pequeno ser e fazê-lo descansar na paz da noite é tudo o que importa.
Contudo, o mundo em redor daquele quarto estava em ruínas, o ser humano esquecera-se já de como era sentir empatia, de como era gostar e cuidar. O ódio ganhou a batalha e já nem a arte tem força para o derrotar. A noite ficou. Os olhos do rapaz só se abriram para ver a destruição dos valores da sua sociedade e nunca mais puderam ver o sol. Questionava-se porquê: afinal era apenas uma criança, como todas as outras, com sonhos e a aprender a descodificar o mundo. Porém, nem a sua protetora sabia a resposta, já nem a mãe o podia salvar, como sempre fizera. E, quando o momento chegou, voltou a fechar os olhos, desta vez para sempre, mas continuou a ouvir a melodia cantada pela mãe, esse som de esperança, e acreditava na possibilidade de ver o sol nascer de novo, não só para ele, mas para todas as crianças do mundo.
Bárbara Delgado, 12.º D
Está na hora de dormir. Tudo à volta está calmo, apenas se ouve o barulho ensurdecedor do silêncio e a luz da lua é a única que ilumina as ruas e as casas através das janelas. O mundo resume-se inteiramente àquele momento, àquele quarto, àquele leito, àquela canção de embalar. Para aquele menino, nada mais existe senão a esperança de que, no dia seguinte, o sol brilhará de novo e ele acordará com este. Resta em si apenas a esperança numa escuridão passageira. Fecha, então, os olhos e escuta a voz doce da mulher que o trouxe ao mundo, dessa grande deusa que faz com que tudo pareça simples, com que os monstros da noite desapareçam e que, com os seus braços, o envolve e protege. À medida que os olhos, o seu portal para o mundo, se fecham, assombra-o o medo da noite, o receio de ver um mundo diferente ao despertar, o pânico da mudança. Contudo não está sozinho e, por isso, acredita que o sol sempre brilhará.
Ao seu lado, curvando-se junto da cama, encontra-se uma mulher, movida por uma força da natureza que se opõe a todo o ódio do mundo, força essa capaz de apagar todos os males existentes e todo o pavor que assola a espécie humana. Ela mesma se transforma nessa pulsão: o amor. O amor toma forma humana e destrói fronteiras, insurge-se contra o egocentrismo e faz mover o mundo. É essa a energia que rege o Homem, que permite que a esperança prolifere no meio do caos. Quando a capacidade de dar amor, de o sentir e, sobretudo, de o ser se esvai, urge resgatá-la do abismo, caso contrário, o mundo entrará em guerra. Mas, naquele quarto, essa pulsão reina, preenche o espaço, incorpora-se em cada molécula do ar. Essa energia poderosa é o amor de mãe, que chega sob a forma de carícias e melodias cantadas. Uma mãe é uma divindade que faz surgir vida e afasta a morte. Para ela, deitar aquele pequeno ser e fazê-lo descansar na paz da noite é tudo o que importa.
Contudo, o mundo em redor daquele quarto estava em ruínas, o ser humano esquecera-se já de como era sentir empatia, de como era gostar e cuidar. O ódio ganhou a batalha e já nem a arte tem força para o derrotar. A noite ficou. Os olhos do rapaz só se abriram para ver a destruição dos valores da sua sociedade e nunca mais puderam ver o sol. Questionava-se porquê: afinal era apenas uma criança, como todas as outras, com sonhos e a aprender a descodificar o mundo. Porém, nem a sua protetora sabia a resposta, já nem a mãe o podia salvar, como sempre fizera. E, quando o momento chegou, voltou a fechar os olhos, desta vez para sempre, mas continuou a ouvir a melodia cantada pela mãe, esse som de esperança, e acreditava na possibilidade de ver o sol nascer de novo, não só para ele, mas para todas as crianças do mundo.
Bárbara Delgado, 12.º D