Michael Spett: como a sorte e o engenho do meu pai nos salvou
Figuras 1 e 2. Henri (Henry) Chaim Spet e Lizzi Spett, s/d. (Fonte: http://sousamendesfoundation.org/family/spett)
Henri (Henry) Chaim Spett nasceu em Cracóvia, em 1898, tendo a sua família emigrado para a Alemanha e instalado em Wiesbaden, em 1900. Em 1916, Henry ofereceu-se como voluntário para o exército austro-húngaro depois de frequentar a Oberrealschule, tendo concluído o seu diploma do Ensino Secundário em 1917, na Escola de candidatos a Oficiais. Como refere Lizzi Spett, sua futura esposa, em testemunho escrito deixado à sua família, Henry foi ferido duas vezes durante a 1.ª guerra mundial, primeiro nas montanhas dos Cárpatos, depois novamente nos Alpes italianos. Depois da guerra, ele estudou economia em Viena e Frankfurt am Main, entre outros, com Max Weber [1].
Lizzi Spett, nome de solteira Dreifuss, nasceu em Heidelberg, a 10 de agosto de 1906. Lizzi e Henry conhecem-se na época em que Lizzi cuidava da sua irmã Heddy, que acabou por morrer de tuberculose. Em setembro de 1924, Lizzi vai trabalhar como secretária na tipografia que Henry funda em janeiro de 1923, a Westdruckerei, em Wiesbaden. “A empresa escapou dos efeitos da inflação produzindo rótulos de vinhos para vinícolas regionais e com a ajuda de encomendas da França” pagas em francos. A partir de 1925, a Westdruckerei tornou-se uma GmbH (uma sociedade com responsabilidade limitada) com “Spett como diretor administrativo e publicou publicações sobre temas judaicos, mas também um trabalho procurado internacionalmente sobre viticultura regional” [1].
Conforme relata Lizzi no seu testemunho, desde a subida dos nazis ao poder na Alemanha em 1933, o pai de Michael, Henry Spett, judeu e orgulhosamente dono de uma tipografia, onde imprimia vários periódicos judeus e material anti-nazi, começou a ter problemas com as autoridades nacional socialistas. Por este motivo, Henry tornou-se num alvo bastante eminente dos nazis, dado que Hitler havia também ordenado o encerramento de todas as tipografias de origem judaica. Uma noite, Henry Spett recebeu um telefonema de um amigo, pertencente ao corpo da polícia, que lhe recomendou que fugisse da cidade, pois, no dia seguinte, o pai de Michael seria preso pela polícia alemã e a sua empresa seria confiscada pelos nazis. Henry toma a decisão de partir, primeiro para Antuérpia, decidindo-se Lizzi a segui-lo algum tempo depois, com grande desgosto por as circunstâncias adversas a ter de separar dos seus familiares, nomeadamente a mãe e uma tia. Lizzi e Henry acabam por casar a 19 de novembro de 1933, já em Antuérpia e Michael Spett nasce, em Bruxelas, a 14 de agosto de 1934.
[1] https://www.wiesbaden.de/microsite/stadtlexikon/a-z/spett-henry-c..php
Lizzi Spett, nome de solteira Dreifuss, nasceu em Heidelberg, a 10 de agosto de 1906. Lizzi e Henry conhecem-se na época em que Lizzi cuidava da sua irmã Heddy, que acabou por morrer de tuberculose. Em setembro de 1924, Lizzi vai trabalhar como secretária na tipografia que Henry funda em janeiro de 1923, a Westdruckerei, em Wiesbaden. “A empresa escapou dos efeitos da inflação produzindo rótulos de vinhos para vinícolas regionais e com a ajuda de encomendas da França” pagas em francos. A partir de 1925, a Westdruckerei tornou-se uma GmbH (uma sociedade com responsabilidade limitada) com “Spett como diretor administrativo e publicou publicações sobre temas judaicos, mas também um trabalho procurado internacionalmente sobre viticultura regional” [1].
Conforme relata Lizzi no seu testemunho, desde a subida dos nazis ao poder na Alemanha em 1933, o pai de Michael, Henry Spett, judeu e orgulhosamente dono de uma tipografia, onde imprimia vários periódicos judeus e material anti-nazi, começou a ter problemas com as autoridades nacional socialistas. Por este motivo, Henry tornou-se num alvo bastante eminente dos nazis, dado que Hitler havia também ordenado o encerramento de todas as tipografias de origem judaica. Uma noite, Henry Spett recebeu um telefonema de um amigo, pertencente ao corpo da polícia, que lhe recomendou que fugisse da cidade, pois, no dia seguinte, o pai de Michael seria preso pela polícia alemã e a sua empresa seria confiscada pelos nazis. Henry toma a decisão de partir, primeiro para Antuérpia, decidindo-se Lizzi a segui-lo algum tempo depois, com grande desgosto por as circunstâncias adversas a ter de separar dos seus familiares, nomeadamente a mãe e uma tia. Lizzi e Henry acabam por casar a 19 de novembro de 1933, já em Antuérpia e Michael Spett nasce, em Bruxelas, a 14 de agosto de 1934.
[1] https://www.wiesbaden.de/microsite/stadtlexikon/a-z/spett-henry-c..php
Figuras 3 e 4. Os irmãos Michael e Gabrielle Rose Spett, s/d. (Fonte: http://sousamendesfoundation.org/family/spett)
Ainda tendo por base o testemunho de Lizzi Spett que nos foi gentilmente cedido por Michael Spett, Henry Spett reiniciou o seu negócio tipográfico na Bélgica, comprando uma pequena empresa que se passou a designar “Alliance Graphic”. A mãe de Lizzi chega a visitar o casal em Bruxelas e, à medida que as medidas antissemitas na Alemanha se agravam, os Spett começam a receber crianças enviadas através dos «Kindertransports». A 1 de agosto de 1937, nasce a segunda filha do casal, Gabrielle Rose Spett. A 1 de setembro de 1939, inicia-se a 2.ª guerra mundial.
Figura 5. Civis belgas tentam fugir para ocidente face ao avanço alemão, 12 de maio de 1940 (Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/German_invasion_of_Belgium_(1940)#/media/File:British_troops_and_Belgian_refugees_on_the_Brussels-Louvain_road,_12_May_1940._F4422.jp)
A 10 de maio de 1940, Bruxelas é bombardeada, como também recorda Michael Spett. Tal como “previsto”, no dia a seguir, já o exército nazi invadia Bélgica através da passagem pela floresta das Ardenas e, logo, os belgas seriam induzidos a deportar os judeus. Já o último comboio partia do país belga para Paris e, nele, ia alojada a família Spett, entre as centenas de fugitivos. O desafio agora era sair do comboio que, em tempos passados, fora considerado uma salvação. A cada paragem, a saída dos refugiados era negada. Desistindo da cautela, Henry Spett, ao chegar a Bordéus e aproveitando-se da situação do seu filho Michael sofrer de asma, pede-lhe que finja um ataque de asma. É, assim, que Henry exige falar com o chefe da estação para que um médico assista o seu filho, tendo sido estas circunstâncias que permitiram que a família Spett fosse das poucas a escapar a este transporte problemático, que não esperou por eles, enquanto Michael era visto e “tratado”. Saber-se-á, posteriormente, que tal comboio, depois de divagar pela Europa, teve como última paragem um campo de concentração, situado na França "livre" de Vichy e que muitos dos seus ocupantes acabariam nos campos de extermínio nazis.
Figura 6. Pintura retratando o caos em Bordéus, junho de 1940, (Fonte:
https://media.sudouest.fr/1933086/1200x-1/so-5ec3c83b66a4bd1a5041150b-ph0.jpg?v=1591707600)
https://media.sudouest.fr/1933086/1200x-1/so-5ec3c83b66a4bd1a5041150b-ph0.jpg?v=1591707600)
Quando chegaram a Bordéus, nas palavras de Lizzi e de Michael, os Spett sentiram-se donos do próprio destino, apesar do caos em que a cidade se tornará, e foram para um hotel durante dois dias. Mais tarde, na sequência de um conselho de uma família amiga que já conheciam, deixaram Bordéus, dirigindo-se a uma cidade na periferia, Pessac. Ficaram numa casa alugada durante 5 dias e, mais tarde, mudaram-se para uma verdadeira quinta. No seguimento da sua jornada, encontraram uma cabana de Verão na floresta em La Canneau Sur Mer, que lhes foi cedida por um pintor francês que Henry Spett casualmente conheceu. Como nos contou Michael, a partir daqui, o seu pai podia deslocar-se diariamente a Bordéus para tentar obter um visto de saída de França, enquanto os seus filhos podiam brincar na praia próxima, longe do caos de Bordéus.
Figuras 7 e 8. Lista de vistos e visto concedido à família Spett por Aristides de Sousa Mendes, 18 de junho de 1940 (Fonte: http://sousamendesfoundation.org/family/spett)
Agora sobrava apenas mais um obstáculo. Obter vistos para ultrapassar fronteiras até ao destino final, os poderosos Estados Unidos da América. Rumores corriam que havia um cônsul português, em Bordéus, a passar vistos a apátridas. Tratava-se de Aristides de Sousa Mendes que, após resolver o dilema moral envolvendo a Circular n.º 14 que proibia a atribuição de vistos, decidira dar uma oportunidade àqueles em necessidade de uma. À medida que o exército nazi rumava ao sul, esta decisão do cônsul permitiu salvar cerca de 30 mil pessoas, entre as quais cerca de 10 mil judeus e, entre estes, Spett que viu o seu passaporte carimbado e assinado a 18 de junho de 1940, por Aristides de Sousa Mendes, com o visto n.º 2134.
De seguida, Henry Spett dedicou-se a obter o visto de trânsito do consulado espanhol. Quando lá chegou, encontrou uma “inesperada” fila de espera. Mais uma vez, Henry Chaim estruturou um plano que revelou toda a sua astúcia. Henry disse a um oficial que o seu passaporte se encontrava dentro do edifício, ao que o guarda respondeu que esse truque já tinha sido utilizado. Não obstante, o estratagema acabou por dar frutos e Henry entrou no edifício. Quando a oportunidade chegou e o empregado encarregado de certificar passaportes se distraiu a atender um telefonema, o pai de Michael Spett deslizou o seu documento de identificação para um suposto monte de salvo-condutos por autenticar, tendo este, mais tarde, sido carimbado.
A 24 de junho, os Spett passam a fronteira entre a França e a Espanha, em Irun, “milagrosamente” aberta no momento em que lá chegaram, conforme relata Lizzi Spett. De novo de comboio, atravessam Espanha, entrando em Portugal por Vilar Formoso, dirigindo-se depois a Coimbra, Curia e, finalmente, Porto. No expresso para o destino, foram afortunados ao ponto de interagir com um distinto senhor que os ajudou, o Dr. Abel Portal, visto que o seu pai era cônsul em Londres. Ajudou-os na procura de um hotel com camas de maior qualidade.
Posteriormente, os Spett mudaram-se para casa de uma conhecida, Flora Ehert, cujo contacto se efetuou na sequência de uma ansiosa procura de nomes judeus na lista telefónica. Um amigo de Flora, o Sr. Augusto Abreu, que tinha uma agência de viagens (Agência Abreu) e era um homem influente, revelou-se um grande auxílio no destino dos mesmos.
De seguida, Henry Spett dedicou-se a obter o visto de trânsito do consulado espanhol. Quando lá chegou, encontrou uma “inesperada” fila de espera. Mais uma vez, Henry Chaim estruturou um plano que revelou toda a sua astúcia. Henry disse a um oficial que o seu passaporte se encontrava dentro do edifício, ao que o guarda respondeu que esse truque já tinha sido utilizado. Não obstante, o estratagema acabou por dar frutos e Henry entrou no edifício. Quando a oportunidade chegou e o empregado encarregado de certificar passaportes se distraiu a atender um telefonema, o pai de Michael Spett deslizou o seu documento de identificação para um suposto monte de salvo-condutos por autenticar, tendo este, mais tarde, sido carimbado.
A 24 de junho, os Spett passam a fronteira entre a França e a Espanha, em Irun, “milagrosamente” aberta no momento em que lá chegaram, conforme relata Lizzi Spett. De novo de comboio, atravessam Espanha, entrando em Portugal por Vilar Formoso, dirigindo-se depois a Coimbra, Curia e, finalmente, Porto. No expresso para o destino, foram afortunados ao ponto de interagir com um distinto senhor que os ajudou, o Dr. Abel Portal, visto que o seu pai era cônsul em Londres. Ajudou-os na procura de um hotel com camas de maior qualidade.
Posteriormente, os Spett mudaram-se para casa de uma conhecida, Flora Ehert, cujo contacto se efetuou na sequência de uma ansiosa procura de nomes judeus na lista telefónica. Um amigo de Flora, o Sr. Augusto Abreu, que tinha uma agência de viagens (Agência Abreu) e era um homem influente, revelou-se um grande auxílio no destino dos mesmos.
Figura 9. Comprovativo da Sofina relativo a trabalhos gráficos efetuados pela empresa de Henry Spett, 23 de agosto de 1940 (Fonte: Arquivo privado de Michael Spett)
Henry Spett reencontrou também no Porto Leon Levitan, um amigo da Bélgica e funcionário da Sofina, uma grande sociedade internacional, com sede em Bruxelas, o que lhe permitiu ter contacto com a filial desta empresa na cidade. A Sofina era um cliente importante a quem, no passado, a tipografia de Henry Spett tinha prestado diversos serviços de impressão. Assim, mediante a apresentação de faturas anteriores, Henry recebeu todos os pagamentos em atraso relativos a essas faturas vencidas. Este rendimento foi uma ajuda indispensável para pagar as despesas quotidianas da sua família em Portugal.
Figura 10. Resposta da Agência Abreu a Henry Spett, a propósito da sua satisfação relativamente à cabine que lhe fora atribuída (a reserva que não se concretiza no Nea Hellas?), 11 de novembro de 1940 (Fonte: Arquivo privado de Michael Spett)
Figura 11. O navio Nyassa, s/d (Fonte: http://sousamendesfoundation.org/ships/nyassa)
Figura 12. A lista de passageiros estrangeiros da viagem do Nyassa de 23 de novembro de 1940, onde constam os Spett (Fonte: https://www.familysearch.org/ark:/61903/1:1:24L8-WL3)
Figura 13. Carta de agradecimento de Henry Spett ao comandante e tripulação do Nyassa, 1 de dezembro de 1940 (Fonte: Arquivo privado de Michael Spett)
Os Spett instalam-se em Lisboa a partir do final de outubro de 1940 e acabarão, afortunadamente, por obter mais tarde, uma passagem de Lisboa para os Estados Unidos, fornecida pela agência Abreu, graças às conexões já referidas. Inicialmente a reserva fora feita para o navio Nea Hellas, cujo destino era Nova Iorque. Todavia, devido ao conflito ter chegado à Grécia, esta embarcação grega foi impedida de viajar e tudo o que restou foi mais uma agonizante espera. Entretanto, no dia 23 de novembro de 1940, os Spett conseguem embarcar no navio Nyassa para os Estados Unidos. Finalmente, a chegada a Nova Jérsia e a uma nova vida, dá-se a 4 de dezembro de 194o, depois de uma semana de navegação em mar aberto, onde Henry Spett, em nome de todos os passageiros, aproveita para agradecer ao comandante e à tripulação pela hospitalidade inolvidável.
Este trabalho baseou-se no conteúdo de uma entrevista (por vídeochamada) efetuada a Michael Spett no dia 16 de março de 2023, na consulta do testemunho escrito da sua mãe, Lizzi Spett, e outros materiais que nos foram enviados por Michael Spett e na consulta da seguinte webgrafia:
http://sousamendesfoundation.org/family/spett
https://www.wiesbaden.de/microsite/stadtlexikon/a-z/spett-henry-c..php
Trabalho realizado por: Carina Sousa e Luís Morais, 9.º C
English version revised by Michael Spett here.
Este trabalho baseou-se no conteúdo de uma entrevista (por vídeochamada) efetuada a Michael Spett no dia 16 de março de 2023, na consulta do testemunho escrito da sua mãe, Lizzi Spett, e outros materiais que nos foram enviados por Michael Spett e na consulta da seguinte webgrafia:
http://sousamendesfoundation.org/family/spett
https://www.wiesbaden.de/microsite/stadtlexikon/a-z/spett-henry-c..php
Trabalho realizado por: Carina Sousa e Luís Morais, 9.º C
English version revised by Michael Spett here.