Helmut Gantz: um passado descoberto em dois sacos de plástico
Uma família alemã, aparentemente comum, reúne-se, em 2002, em torno de uma mesa de cozinha após o funeral de Helmut Gantz, a fazer um balanço da vida que terminou e a preparar-se para o que vem a seguir. Ulrich e os seus irmãos conversam enquanto entra a madrasta e deposita em cima da mesa dois sacos de plástico, anunciando: «Ulrich, aqui estão as respostas às perguntas que sempre se fez a si próprio».
Perante a família, Helmut Gantz sempre se assumira como um homem vulgar durante a 2.ª Guerra Mundial e o Terceiro Reich. De acordo com as suas histórias, ele tinha estado na polícia durante a guerra, na Noruega e durante um curto período na Rússia, e nada de relevante tinha acontecido. No entanto, Ulrich sempre achara o pai evasivo quanto a esse período da sua vida ou, melhor, sentia que ele não queria falar. Aliás, recordava-se de, nos anos 90, quando o historiador americano Christopher Browning escreveu sobre os "homens comuns" («Ordinary men») que tinham participado ativamente no extermínio dos judeus da Europa, de o pai ter alegado, quando o questionou sobre este tema, que o autor tinha "inventado tudo". De tal forma que, para Ulrich, fora «uma verdadeira surpresa que ele fosse membro do Partido Nacional Socialista. Nada indicava que isso pudesse ter acontecido».
Mas, agora, ali estavam, em cima da mesa, as provas de que as suas desconfianças afinal não eram fruto da sua imaginação: as informações que estavam contidas nos dois sacos, repletas de documentos, anotações escritas, fotografias, mostravam uma realidade completamente oposta. Este homem, o seu pai, Helmut Gantz, na verdade, fizera parte do Einsatzgruppen B, um grupo constituído com o objetivo de perseguir e exterminar judeus, e ele fora acusado, nomeadamente, de ter participado na execução de 68 judeus e membros da resistência em Minsk, na Bielorrússia, em 1941. E a história do pai não ficaria por aqui. Mas tentemos perceber o percurso deste homem.
Perante a família, Helmut Gantz sempre se assumira como um homem vulgar durante a 2.ª Guerra Mundial e o Terceiro Reich. De acordo com as suas histórias, ele tinha estado na polícia durante a guerra, na Noruega e durante um curto período na Rússia, e nada de relevante tinha acontecido. No entanto, Ulrich sempre achara o pai evasivo quanto a esse período da sua vida ou, melhor, sentia que ele não queria falar. Aliás, recordava-se de, nos anos 90, quando o historiador americano Christopher Browning escreveu sobre os "homens comuns" («Ordinary men») que tinham participado ativamente no extermínio dos judeus da Europa, de o pai ter alegado, quando o questionou sobre este tema, que o autor tinha "inventado tudo". De tal forma que, para Ulrich, fora «uma verdadeira surpresa que ele fosse membro do Partido Nacional Socialista. Nada indicava que isso pudesse ter acontecido».
Mas, agora, ali estavam, em cima da mesa, as provas de que as suas desconfianças afinal não eram fruto da sua imaginação: as informações que estavam contidas nos dois sacos, repletas de documentos, anotações escritas, fotografias, mostravam uma realidade completamente oposta. Este homem, o seu pai, Helmut Gantz, na verdade, fizera parte do Einsatzgruppen B, um grupo constituído com o objetivo de perseguir e exterminar judeus, e ele fora acusado, nomeadamente, de ter participado na execução de 68 judeus e membros da resistência em Minsk, na Bielorrússia, em 1941. E a história do pai não ficaria por aqui. Mas tentemos perceber o percurso deste homem.
Figuras 1 e 2. O porto de Kiel, 1910 (Fonte: https://structurae.net/en/structures/kiel-transporter-bridge) e Escola Superior de Engenharia Mecânica e Escola Municipal de Negócios de Kiel, 1910 (Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:H%C3%B6here_Schiffs-_und_Maschinenbauschule_1910.jpg
Helmut Gantz nasceu no dia 12 de dezembro de 1910, na cidade de Kiel, a capital do estado de Schleswig-Holstein, no norte da Alemanha. Devido à sua localização geográfica no sudeste da Península da Jutlândia, na costa sudoeste do Mar Báltico, Kiel tornou-se um dos principais centros marítimos da Alemanha.
A crise económica que abalava e agoniava não só a população, como todo o país, no início dos anos 30, foi um entrave para o futuro de Helmut. Este tinha a ambição de se tornar engenheiro naval, talvez pelo contexto histórico da cidade onde nasceu e viveu parte da sua vida, porém não se conseguiu formar na faculdade, pois os seus pais não tinham rendimento para a pagar. Segundo o testemunho do seu filho Ulrich, Helmut Gantz. após ter passado por esta instabilidade financeira, conseguiu realizar meio ano de faculdade (não tendo o filho a certeza absoluta se Helmut frequentou Matemática ou Química). Terminado este período, começou a trabalhar num navio, tendo esta função durado um ano, entre 1931 a 1932. Após este período no navio, no ano de 1932 envereda pela carreira de comercial, tendo sido vendedor ambulante, ou seja, vendia revistas de porta em porta.
A crise económica que abalava e agoniava não só a população, como todo o país, no início dos anos 30, foi um entrave para o futuro de Helmut. Este tinha a ambição de se tornar engenheiro naval, talvez pelo contexto histórico da cidade onde nasceu e viveu parte da sua vida, porém não se conseguiu formar na faculdade, pois os seus pais não tinham rendimento para a pagar. Segundo o testemunho do seu filho Ulrich, Helmut Gantz. após ter passado por esta instabilidade financeira, conseguiu realizar meio ano de faculdade (não tendo o filho a certeza absoluta se Helmut frequentou Matemática ou Química). Terminado este período, começou a trabalhar num navio, tendo esta função durado um ano, entre 1931 a 1932. Após este período no navio, no ano de 1932 envereda pela carreira de comercial, tendo sido vendedor ambulante, ou seja, vendia revistas de porta em porta.
Pouco depois, em fevereiro deste mesmo ano, passado o seu 21.º aniversário, Helmut junta-se ao Partido Nazi e às SA (Sturmabteilung ou SA, usualmente traduzida como "Tropas de Assalto" ou "Secções de Assalto"), a milícia paramilitar durante o período em que o Nazismo exercia o poder na Alemanha. Helmut adere ao Partido Nacional-Socialista a 1 de fevereiro de 1932, tendo o n.º de membro 958770[1]. No ano seguinte integra a Academia Naval das SA, mudando-se para o Mar Báltico. Até 1935, esta jornada na Academia Naval teria possuído apenas uma conotação formativa e desportiva.
De facto, durante o período do Terceiro Reich e da 2.ª Guerra Mundial, Kiel permaneceu uma das principais bases navais e centros de construção naval do Reich alemão (havia também um campo de trabalho escravo para a indústria local e devido ao seu status de porto naval e local de produção de submarinos, Kiel foi fortemente bombardeada pelos Aliados durante o período da guerra).
Com o desmantelamento da Academia em 1935, Helmut mudou-se para a polícia militar das SA, organização que, após a «Noite das Facas Longas» (eliminação de milhares de pessoas que Hitler e as cúpulas do Partido Nazi acharam conveniente afastar, em 1934, a pretexto de se poderem tornar obstáculos às ambições de controlo absoluto do aparelho político-militar, na ascensão de Hitler ao domínio total da Alemanha[2], sendo que muitos daqueles que foram mortos pertenciam às lideranças da Sturmabteilung), perdeu grande parte do seu estatuto e poder.
Assim, ainda em 1935, Helmut torna-se oficial da polícia, tendo sido integrado na Ordnungspolizei (Orpo), isto é, a polícia uniformizada da Alemanha nazi entre 1936 e 1945. Helmut muda-se para Berlim em 1938, onde conhece a sua futura esposa, com quem se viria a casar no ano de 1940. Passado um ano da mudança de cidade, em 1939, Helmut junta-se ao Batalhão de Polícia 9 (Polizeibataillon 9), tornando-se assim o comandante da 2.ª Companhia do Batalhão, tendo sido neste contexto militar que terá tido um papel relevante no genocídio dos judeus perpetrado pelo regime nazi.
Após as pesquisas que realizamos, permanecemos com dúvidas se Helmut Gantz chegou a integrar as SS em 1944, apesar de sempre ser apresentado com esse estatuto pelo seu filho. Sobre esta questão, Ulrich Gantz afirmou que «este é um assunto bastante complexo. De facto, em 1941, os polícias que pertenciam às SA como o pai, entre 1932 e 1935, tornaram-se membros das SS e tinham uma patente SS para além da sua patente policial, ou seja, o meu pai tornou-se Hauptmann der Polizei und SS-Hauptsturmmfuehrer. Ele continuou a ser um oficial da polícia e foi membro das SS, mas não um funcionário ativo das SS. O seu número nas SS era 426546. Em 1944, foi destacado para as Waffen-SS, mas continuou a ser oficial da polícia. As Waffen-SS queriam assumir o controlo total sobre ele, mas a polícia recusou, pois não queriam perder um dos seus melhores oficiais».
[1] https://www.forum-der-wehrmacht.de/index.php?thread/11161-major-der-schutzpolizei-schoen-und-gantz/&postID=551696&highlight=gantz#post551696
[2] https://www.almedina.net/a-noite-das-facas-longas-1564051476.html
De facto, durante o período do Terceiro Reich e da 2.ª Guerra Mundial, Kiel permaneceu uma das principais bases navais e centros de construção naval do Reich alemão (havia também um campo de trabalho escravo para a indústria local e devido ao seu status de porto naval e local de produção de submarinos, Kiel foi fortemente bombardeada pelos Aliados durante o período da guerra).
Com o desmantelamento da Academia em 1935, Helmut mudou-se para a polícia militar das SA, organização que, após a «Noite das Facas Longas» (eliminação de milhares de pessoas que Hitler e as cúpulas do Partido Nazi acharam conveniente afastar, em 1934, a pretexto de se poderem tornar obstáculos às ambições de controlo absoluto do aparelho político-militar, na ascensão de Hitler ao domínio total da Alemanha[2], sendo que muitos daqueles que foram mortos pertenciam às lideranças da Sturmabteilung), perdeu grande parte do seu estatuto e poder.
Assim, ainda em 1935, Helmut torna-se oficial da polícia, tendo sido integrado na Ordnungspolizei (Orpo), isto é, a polícia uniformizada da Alemanha nazi entre 1936 e 1945. Helmut muda-se para Berlim em 1938, onde conhece a sua futura esposa, com quem se viria a casar no ano de 1940. Passado um ano da mudança de cidade, em 1939, Helmut junta-se ao Batalhão de Polícia 9 (Polizeibataillon 9), tornando-se assim o comandante da 2.ª Companhia do Batalhão, tendo sido neste contexto militar que terá tido um papel relevante no genocídio dos judeus perpetrado pelo regime nazi.
Após as pesquisas que realizamos, permanecemos com dúvidas se Helmut Gantz chegou a integrar as SS em 1944, apesar de sempre ser apresentado com esse estatuto pelo seu filho. Sobre esta questão, Ulrich Gantz afirmou que «este é um assunto bastante complexo. De facto, em 1941, os polícias que pertenciam às SA como o pai, entre 1932 e 1935, tornaram-se membros das SS e tinham uma patente SS para além da sua patente policial, ou seja, o meu pai tornou-se Hauptmann der Polizei und SS-Hauptsturmmfuehrer. Ele continuou a ser um oficial da polícia e foi membro das SS, mas não um funcionário ativo das SS. O seu número nas SS era 426546. Em 1944, foi destacado para as Waffen-SS, mas continuou a ser oficial da polícia. As Waffen-SS queriam assumir o controlo total sobre ele, mas a polícia recusou, pois não queriam perder um dos seus melhores oficiais».
[1] https://www.forum-der-wehrmacht.de/index.php?thread/11161-major-der-schutzpolizei-schoen-und-gantz/&postID=551696&highlight=gantz#post551696
[2] https://www.almedina.net/a-noite-das-facas-longas-1564051476.html
Figura 5. Partida do Batalhão de Reserva 9 de Berlim para a Noruega, 9.5.1940 (Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Bundesarchiv_Bild_121-0630,_Berlin,_Polizeibataillon_9,_Verabschiedung.jpg)
No seu artigo «What Does the Holocaust in the Baltic States Have to Do with the SS’ Plans for Occupied Norway?», Matthew Kott, historiador norueguês, expõe que parece ter existido uma ligação recíproca clara entre as SS na Noruega ocupada e o Holocausto nos Estados Bálticos precisamente através do Batalhão de Polícia 9 (Polizeibataillon 9; PB 9) da Orpo. Refere Matthew Kott que «a verdadeira explosão de novas investigações sobre a Orpo nos últimos anos permite-nos ir muito além do trabalho pioneiro de Christopher Browning com o seu Ordinary Men na compreensão do importante lugar dos soldados da polícia nos planos de Himmler para uma nova Europa. Não só se pode agora ver que estas unidades estavam integradas nos Einsatzgruppen responsáveis pelo genocídio dos judeus da Europa de Leste, mas é muito mais claro do que para Browning até que ponto o treino militar e ideológico incutiu a Orpo enquanto instituição, mesmo que não necessariamente todos os indivíduos que a compunham, com a ética SS de guerra racial genocida».
Continua Kott, «com a ajuda da literatura recente, podemos obter uma imagem mais completa da história do destacamento PB 9 e ligá-lo a eventos tanto na Noruega como na região do Báltico. Esta unidade foi criada em setembro de 1939 no bairro de Schöneberg, em Berlim, incorporando reservistas e agentes ativos da polícia», correspondendo à história pessoal de Helmut Gantz. «O seu primeiro destacamento para o estrangeiro foi uma breve ajuda para esmagar a revolta estudantil de Praga em novembro de 1939. Em maio de 1940, foi transferida para Oslo, onde os seus deveres deveriam incluir ajudar a proteger a fronteira com a neutral Suécia. Esta última tarefa neste sector do país foi realizada principalmente pela Batalhão da Polícia 2 estacionado na cidade de Kongsvinger, ficando o PB 9 principalmente com a função de patrulhar e manter a ordem na capital norueguesa. Em fevereiro de 1941, o PB 9 foi chamado de volta a Berlim. Tinha sido decidido que as companhias do Batalhão de Polícia 9 seriam distribuídas pelos quatro grupos Einsatzgruppen que estavam a ser organizados para o ataque contra a URSS»[1].
[1] https://www.president.lv/lv/media/5046/download
Continua Kott, «com a ajuda da literatura recente, podemos obter uma imagem mais completa da história do destacamento PB 9 e ligá-lo a eventos tanto na Noruega como na região do Báltico. Esta unidade foi criada em setembro de 1939 no bairro de Schöneberg, em Berlim, incorporando reservistas e agentes ativos da polícia», correspondendo à história pessoal de Helmut Gantz. «O seu primeiro destacamento para o estrangeiro foi uma breve ajuda para esmagar a revolta estudantil de Praga em novembro de 1939. Em maio de 1940, foi transferida para Oslo, onde os seus deveres deveriam incluir ajudar a proteger a fronteira com a neutral Suécia. Esta última tarefa neste sector do país foi realizada principalmente pela Batalhão da Polícia 2 estacionado na cidade de Kongsvinger, ficando o PB 9 principalmente com a função de patrulhar e manter a ordem na capital norueguesa. Em fevereiro de 1941, o PB 9 foi chamado de volta a Berlim. Tinha sido decidido que as companhias do Batalhão de Polícia 9 seriam distribuídas pelos quatro grupos Einsatzgruppen que estavam a ser organizados para o ataque contra a URSS»[1].
[1] https://www.president.lv/lv/media/5046/download
Figura 6. Mapa da atuação dos Einsatzgruppen e dos seus principais fuzilamentos (1941-1942) (Fonte: https://seminaireshoahparballes.wordpress.com/2017/11/13/carte-des-einsatzgruppen-1941-1942/)
Os Einsatzgruppen (EG) eram unidades especiais das SS e das forças policiais encarregadas de manter o controlo sobre os territórios ocupados à medida que as forças armadas alemãs avançavam pelo leste da Europa. Após a invasão alemã na União Soviética em junho de 1941, estes esquadrões implementaram de forma impiedosa o assassinato em massa de milhões de judeus soviéticos, ciganos e oponentes políticos.
Segundo Matthew Kott, a 1.ª Companhia do Batalhão de Polícia 9 comandada pelo Oberleutnant (1.º Tenente) Peter Clausen foi atribuída ao EG A, enquanto que a 2.ª Companhia sob o comando do Hauptmann (Capitão) Helmut Gantz foi atribuída ao Einsatzgruppe B (EG B). «Ao serviço dos Einsatzgruppen, os homens do PB 9 deixaram atrás de si um rasto de morte e destruição como poucos iguais, mesmo na história sombria do Holocausto. O número total estimado de mortes de PB 9 durante este período é de 97.000, embora mesmo este número assombroso pode ser demasiado baixo. Existem testemunhos de que a 2.ª Companhia de Gantz que serviu o EG B foi só por si responsável pelo fim de 52.000 vidas»[1].
Kott revela, ainda que, em dezembro de 1941, devido «ao sofrimento de stress mental por terem participado em tantas execuções em massa, todas as companhias do PB 9 ao serviço dos diferentes Einsatzgruppen foram retiradas para Zamość na Polónia para recuperar. Em abril de 1942, foram destacadas para a cidade checa de Jihlava (Iglau), onde a Orpo tinha várias instalações de formação. Em julho de 1942, o PB 9 foi mais uma vez destacado de volta à Noruega, desta vez como 3.º Batalhão do recém-criado Regimento de Polícia 27 (III./Polizeiregiment 27). A sua nova base seria a cidade de Kongsvinger, não muito longe da fronteira entre a Suécia e a Noruega, onde permaneceria estacionada até ao final da guerra»[2].
"Quem era o meu pai?” “Um perpetrador na família?”. Quer pelo conteúdo dos sacos plásticos depositados na mesa de cozinha em 2002, quer pela investigação que encetou mais tarde, quer pela literatura entretanto produzida sobre o papel dos Batalhões da Polícia no Holocausto, Ulrich não tinha mais dúvidas: “o meu pai teve um papel ativo nos crimes de guerra nazis”. Era preciso quebrar o silêncio. Era necessário quebrar a promessa feita ao irmão (que de imediato queria queimar tudo) de que nunca contaria a história do pai nem aos filhos. Era urgente tornar esta história pública porque a promessa que fizera teria levado a encobrir, de novo, os crimes (do seu pai) e ele não queria ser cúmplice. A publicação de um livro em 2003, no qual foram escritas cerca de 60 ou 70 páginas sobre o pai, facilitou-lhe o tratamento aberto do assunto.
[1] https://www.president.lv/lv/media/5046/download
[2] https://www.president.lv/lv/media/5046/download
Segundo Matthew Kott, a 1.ª Companhia do Batalhão de Polícia 9 comandada pelo Oberleutnant (1.º Tenente) Peter Clausen foi atribuída ao EG A, enquanto que a 2.ª Companhia sob o comando do Hauptmann (Capitão) Helmut Gantz foi atribuída ao Einsatzgruppe B (EG B). «Ao serviço dos Einsatzgruppen, os homens do PB 9 deixaram atrás de si um rasto de morte e destruição como poucos iguais, mesmo na história sombria do Holocausto. O número total estimado de mortes de PB 9 durante este período é de 97.000, embora mesmo este número assombroso pode ser demasiado baixo. Existem testemunhos de que a 2.ª Companhia de Gantz que serviu o EG B foi só por si responsável pelo fim de 52.000 vidas»[1].
Kott revela, ainda que, em dezembro de 1941, devido «ao sofrimento de stress mental por terem participado em tantas execuções em massa, todas as companhias do PB 9 ao serviço dos diferentes Einsatzgruppen foram retiradas para Zamość na Polónia para recuperar. Em abril de 1942, foram destacadas para a cidade checa de Jihlava (Iglau), onde a Orpo tinha várias instalações de formação. Em julho de 1942, o PB 9 foi mais uma vez destacado de volta à Noruega, desta vez como 3.º Batalhão do recém-criado Regimento de Polícia 27 (III./Polizeiregiment 27). A sua nova base seria a cidade de Kongsvinger, não muito longe da fronteira entre a Suécia e a Noruega, onde permaneceria estacionada até ao final da guerra»[2].
"Quem era o meu pai?” “Um perpetrador na família?”. Quer pelo conteúdo dos sacos plásticos depositados na mesa de cozinha em 2002, quer pela investigação que encetou mais tarde, quer pela literatura entretanto produzida sobre o papel dos Batalhões da Polícia no Holocausto, Ulrich não tinha mais dúvidas: “o meu pai teve um papel ativo nos crimes de guerra nazis”. Era preciso quebrar o silêncio. Era necessário quebrar a promessa feita ao irmão (que de imediato queria queimar tudo) de que nunca contaria a história do pai nem aos filhos. Era urgente tornar esta história pública porque a promessa que fizera teria levado a encobrir, de novo, os crimes (do seu pai) e ele não queria ser cúmplice. A publicação de um livro em 2003, no qual foram escritas cerca de 60 ou 70 páginas sobre o pai, facilitou-lhe o tratamento aberto do assunto.
[1] https://www.president.lv/lv/media/5046/download
[2] https://www.president.lv/lv/media/5046/download
Figura 7. Foto da capa da 1.ª edição (2004) do livro: Karrieren der Gewalt: Nationalsozialistische Täterbiographien (Carreiras de Violência: Biografias de Perpetradores Nacional-Socialistas) coordenado por Klaus-Michael Mallmann: a 15 de Agosto de 1941 às 15:00 horas. Heinrich Himmler deixa a antiga casa de Lenine em Minsk, na altura escritório Polícia e do comandante russo das SS, para inspecionar o gueto local. À sua direita está o Dr. Otto Bradfisch, comandante do Einsatzkommando 8, subgrupo do Einsatzgrupp B, que tinha feito uma execução em massa como demonstração para o chefe da SS (ou seja, Heinrich Himmler)[1]. Atrás de Himmler, Helmut Gantz.
(Fonte: https://www.amazon.de/Karrieren-der-Gewalt/dp/3534262824)
[1] Após a análise dos diários de Himmler, redescobertos em 2016, sabe-se que Himmler esteve à beira de desmaiar durante a execução de um grupo de judeus em Minsk, na atual Bielorrússia, quando o cérebro de uma das vítimas lhe sujou o casaco. Poderá ter sido neste mesmo massacre de 15 de agosto de 1941. Este facto terá ponderado bastante na decisão de se optar por outro método de extermínio – o gás – que não causasse tanto sofrimento aos soldados nazis (Fonte: https://www.dn.pt/mundo/diarios-de-himmler-massagens-visitas-a-amante-e-execucoes-5318656.html).
Aliás, é a capa de um livro sobre a história das SS que traz a Ulrich esta outra e inquietante imagem do pai: Karrieren der Gewalt: Nationalsozialistische Täterbiographien (Carreiras de Violência: Biografias de Perpetradores Nacional-Socialistas) coordenado por Klaus-Michael Mallmann. "A fotografia da capa mostrava Himmler, o chefe das SS, em visita a Minsk em 1941. Pensei ter-me visto lá! Apercebi-me de que devia ser o meu pai. A fotografia era pequena e de má qualidade e eu ainda tinha dúvidas. Demorei três anos a ultrapassar as dúvidas que tinha e a pedir à editora que me desse uma cópia da fotografia original, que nunca tinha sido publicada porque provinha dos arquivos da Stasi, os serviços secretos da Alemanha de Leste. Já não havia dúvidas de que o meu pai tinha estado envolvido no massacre cometido pela polícia do Einsatzgruppe B como uma manifestação a Himmler”.
(Fonte: https://www.amazon.de/Karrieren-der-Gewalt/dp/3534262824)
[1] Após a análise dos diários de Himmler, redescobertos em 2016, sabe-se que Himmler esteve à beira de desmaiar durante a execução de um grupo de judeus em Minsk, na atual Bielorrússia, quando o cérebro de uma das vítimas lhe sujou o casaco. Poderá ter sido neste mesmo massacre de 15 de agosto de 1941. Este facto terá ponderado bastante na decisão de se optar por outro método de extermínio – o gás – que não causasse tanto sofrimento aos soldados nazis (Fonte: https://www.dn.pt/mundo/diarios-de-himmler-massagens-visitas-a-amante-e-execucoes-5318656.html).
Aliás, é a capa de um livro sobre a história das SS que traz a Ulrich esta outra e inquietante imagem do pai: Karrieren der Gewalt: Nationalsozialistische Täterbiographien (Carreiras de Violência: Biografias de Perpetradores Nacional-Socialistas) coordenado por Klaus-Michael Mallmann. "A fotografia da capa mostrava Himmler, o chefe das SS, em visita a Minsk em 1941. Pensei ter-me visto lá! Apercebi-me de que devia ser o meu pai. A fotografia era pequena e de má qualidade e eu ainda tinha dúvidas. Demorei três anos a ultrapassar as dúvidas que tinha e a pedir à editora que me desse uma cópia da fotografia original, que nunca tinha sido publicada porque provinha dos arquivos da Stasi, os serviços secretos da Alemanha de Leste. Já não havia dúvidas de que o meu pai tinha estado envolvido no massacre cometido pela polícia do Einsatzgruppe B como uma manifestação a Himmler”.
Figura 8. Decisão no processo de desnazificação de Helmut Gantz perante o Comité Principal de Desnazificação de Kiel, 1951, propriedade privada (Fonte: https://www.facebook.com/DenkortBunkerValentin/photos/a.181446882306690/914074462377258)
Em 1951, com o fim da guerra e todo o processo de desnazificação, Helmut confessa que entrou para o partido nazi, porque o irmão pertencia, porque era normal naquela época e uma forma de passar o tempo. Ulrich revelou-nos, ainda, que possui duas fotos do seu avô nas quais ele está vestido com um casaco com o símbolo da cruz suástica, sendo também adepto nazi. Entre os anos de 1960 e 1980, Helmut Gantz foi chamado 18 vezes a tribunal. Num dos sacos de plástico estava toda a documentação e anotações sobre um processo judicial em 1961. Nesse ano, Helmut Gantz foi acusado de homicídio, no Tribunal Regional de Kiel, por ter participado em 68 execuções em massa em Minsk (Bielorrússia), em agosto de 1941. Ele não foi processado. Como poderia ter acontecido o contrário, já que todas as testemunhas convocadas tinham sido elas próprias cúmplices?
Figura 9. Na evocação dos 75.º aniversário da libertação de Auschwitz, a 2.ª geração testemunha. Filhos de perpetradores e vítimas do Holocausto, do projeto "Mémoires à 4 voix", 2020 (Fonte: https://www.flickr.com/photos/unisgeneva/49463556346)
Para Ulrich Gantz todo este processo de revelação do passado da família, principalmente do pai, tem sido difícil, colocando-o perante dilemas como quebrar uma promessa feita ao irmão. Ulrich Gantz encontrou apoio na (não menos emocional) difícil investigação que se seguiu no Neuengamme Memorial, no seminário de discussão "Um perpetrador na família?" e desde 2014 na profunda amizade que o liga aos protagonistas do projeto "Mémoires à 4 voix", onde filhos de sobreviventes do Holocausto dialogam e intervêm publicamente em conjunto com filhos ou familiares de perpetradores nazis. Isto ajuda-o a lidar com a consciência de que o seu próprio pai tem muitas culpas sobre ele, no entanto, notou-se na entrevista que lhe fizemos o quanto ainda lhe custa falar e lidar com o assunto, pessoalmente e ao nível familiar.
Este trabalho foi realizado tendo por base uma entrevista feita por email e por Zoom com o filho de Helmut Gantz, Ulrich Gantz, no dia 4 de abril de 2022 e várias entrevistas dadas por si nos últimos anos, publicadas online. As restantes referências de pesquisa foram elencadas ao longo do trabalho.
Trabalho realizado por: Carolina Torres e Sara Teixeira, 11.º I.
Figura 9. Na evocação dos 75.º aniversário da libertação de Auschwitz, a 2.ª geração testemunha. Filhos de perpetradores e vítimas do Holocausto, do projeto "Mémoires à 4 voix", 2020 (Fonte: https://www.flickr.com/photos/unisgeneva/49463556346)
Para Ulrich Gantz todo este processo de revelação do passado da família, principalmente do pai, tem sido difícil, colocando-o perante dilemas como quebrar uma promessa feita ao irmão. Ulrich Gantz encontrou apoio na (não menos emocional) difícil investigação que se seguiu no Neuengamme Memorial, no seminário de discussão "Um perpetrador na família?" e desde 2014 na profunda amizade que o liga aos protagonistas do projeto "Mémoires à 4 voix", onde filhos de sobreviventes do Holocausto dialogam e intervêm publicamente em conjunto com filhos ou familiares de perpetradores nazis. Isto ajuda-o a lidar com a consciência de que o seu próprio pai tem muitas culpas sobre ele, no entanto, notou-se na entrevista que lhe fizemos o quanto ainda lhe custa falar e lidar com o assunto, pessoalmente e ao nível familiar.
Este trabalho foi realizado tendo por base uma entrevista feita por email e por Zoom com o filho de Helmut Gantz, Ulrich Gantz, no dia 4 de abril de 2022 e várias entrevistas dadas por si nos últimos anos, publicadas online. As restantes referências de pesquisa foram elencadas ao longo do trabalho.
Trabalho realizado por: Carolina Torres e Sara Teixeira, 11.º I.